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domingo, 13 de maio de 2012

O "futuro" do Mercosul em debate (5) - comentarios Paulo Roberto de Almeida

Ainda meus prolixos comentários: 



SPG: Em especial para o Mercosul, na medida em que certos governos da América do Sul tomaram a decisão, de grande importância para seus países e para o futuro político e econômico da América do Sul, que foi a de se inserir, inicialmente, no sistema econômico norte-americano, através da assinatura de amplos acordos econômicos, chamados impropriamente “de livre comércio”, e, em seguida, na economia mundial, através da negociação de acordos, ai sim de livre comércio, com a União Europeia e com muitos outros países, entre eles a China.

PRA: Ficamos sabendo que existem acordos “de livre comércio” e acordos de livre comércio, sendo os primeiros impróprios e indesejáveis. Seria uma opinião, ou uma interpretação? Confesso não saber distinguir, por fatos, entre os dois tipos de acordos.

SPG: Esses países sul-americanos optaram por uma política de inserção irrestrita na economia global e abdicaram da possibilidade de utilizar  diversos instrumentos de promoção do desenvolvimento, em especial importantes no caso de países subdesenvolvidos, com populações expressivas, com alto grau de urbanização, com grandes disparidades sociais e econômicas. E em consequência, abdicaram de uma participação mais intensa em um processo de integração regional sul-americano pela impossibilidade de participar de uma união aduaneira regional e de políticas regionais de natureza industrial que permitam o fortalecimento das empresas produtivas instaladas em seus territórios. Assim, a retórica presente em todos os encontros acadêmicos e políticos sobre a aspiração, a possibilidade e os benefícios de uma futura integração sul-americana deve ser vista à luz desta realidade atual.

PRA: Quais seriam “esses países sul-americanos”? Mistério! Se ouso interpretar SPG, ele deve se referir, em primeiro lugar, ao Chile, certamente; e também ao México, provavelmente; quem sabe ao Peru e à Colômbia?; todos eles rendidos ao canto de sereia dos acordos de “livre comércio”, que não são bem de livre comércio, não sei se vocês me seguem. Esses abdicaram do que vêm fazendo, quem?: Argentina?; Brasil?; Venezuela?; Equador?; Bolívia? Todos eles engajados na integração regional sul-americana, com fortalecimento de empresas produtivas, etc., etc., etc.? Seria retórica, ou apenas opinião?

SPG: O impacto da China sobre a economia dos países do Mercosul, que já é grande, se tornará extraordinário.

PRA: A China é um país extraordinário, aos olhos de um extraordinário analista.

SPG: A economia chinesa vem crescendo a 10% ao ano, em média, nos últimos trinta anos, desafiando os recorrentes prognósticos negativos dos especialistas. Sua economia moderna é integrada por cerca de 300 milhões de indivíduos, com um déficit crescente de alimentos para uma população que melhora e diversifica seu padrão alimentar, sem suficientes terras aráveis e água para a irrigação em grande escala, (ainda que haja a possibilidade de dessalinização da água do mar e de desenvolvimento de tecnologias agrícolas adequadas às suas regiões inóspitas), com uma demanda voraz e um déficit de minérios muito significativo, e com um déficit energético crescente, apesar dos ambiciosos programas de expansão de seus sistemas eletronuclear e eólico. A incorporação gradual de mais de um bilhão de chineses, hoje no campo e em atividades de baixa produtividade, ao setor moderno da economia tornará a China o maior mercado do mundo, superior ao mercado americano e europeu somados.

PRA: A China continua sendo extraordinária, destinada a feitos extraordinários. O mais extraordinário é o fato (ou seria ilusão?) de a China fazer tudo isso com capitais e tecnologia próprios, sem qualquer aporte das megaempresas multinacionais. Esse enorme mercado está aberto, claro, aos latino-americanos. É um fato, ou uma simples opinião?

SPG: Apesar de a demanda chinesa por minérios, por alimentos e por energia poder ser suprida por outras regiões, em especial a África, a América do Sul e os países do Mercosul estão em condições especiais para atendê-la, como, aliás, já vem fazendo com suas exportações de soja e de minério de ferro, entre outros produtos.

PRA: Como se vê, uma relação totalmente diferente da que tinham as velhas potências imperialistas ocidentais vis-à-vis os latino-americanos. Ainda bem!

SPG: A demanda chinesa por minérios, petróleo e produtos agrícolas contribui, de forma expressiva, para o aumento dos preços mundiais desses produtos, para um impulso inflacionário em todos os países, para a geração de grandes receitas cambiais nos países do Mercosul,  e para a consequente valorização de suas moedas nacionais, afetadas pelo influxo simultâneo do excesso de moeda ofertada pelos Estados Unidos, através de sua política de “monetary easing”.

PRA: Claro, algo deveria sobrar para esses arrogantes imperialistas unilaterais: o tal de “monetary easing” é o responsável por alguns dos males dos latino-americanos.

SPG: Por outro lado, a China, que se constituiu, inicialmente, em uma enorme plataforma de produção e exportação das megaempresas multinacionais, passou, através de suas políticas comerciais,  industriais e de transferência de tecnologia, a criar e desenvolver suas empresas de capital chinês, capazes de participar do mercado mundial, nos mais diversos setores, com produtos dos mais simples aos mais complexos, com custos de produção e preços de exportação altamente competitivos. 

PRA: Como se vê, as megaempresas chinesas são totalmente diferentes das megaempresas ocidentais. Seria um fato? Ou uma opinião totalmente inconsistente?

SPG: A própria situação da China e sua estratégia de desenvolvimento afetará da forma mais profunda as perspectivas de desenvolvimento de cada país do Mercosul, colocará em cheque suas políticas comerciais, industriais e tecnológicas, pautadas pelas normas da OMC, negociadas e adotadas em um contexto internacional diverso, e o próprio futuro do Mercosul, como esquema de desenvolvimento econômico, de transformação produtiva e de desenvolvimento social da região.

PRA: Ops! A coisa não é tão benéfica assim: então a China vai colocar em cheque as políticas dos latino-americanos? Mas que coisa! Justo agora que estávamos pensando que o gigante asiático iria desafiar as velhas potências ocidentais, a China nos faz essa surpresa? Como devemos interpretar isso: já são fatos, ou meras opiniões?

SPG: De um lado, a demanda chinesa por produtos primários e, de outro lado, sua oferta de produtos industriais a baixo preço, diante da ortodoxia de política econômica de certos países (centrada em uma excessiva preocupação com o combate à inflação e com o equilíbrio fiscal) e de seu baixo dinamismo tecnológico poderá levar, se não vierem a ser formuladas e implementadas firmes e permanentes políticas industriais de agregação de valor aos produtos primários em forte demanda,  a uma  especialização na produção primária para exportação, e à conquista pela China dos mercados de produtos industriais dos sócios do Mercosul e dos demais países da América do Sul .

PRA: Mesmo com esse admirável mundo novo patrocinado pela China, de algo as velhas potências ocidentais devem ser acusadas: ortodoxia nas políticas econômicas e excessiva preocupação com essas coisas menores, que se chamam inflação e equilíbrio fiscal. Ah, esses ortodoxos arrogantes estão mesmo a fim de criar problemas para os latino-americanos, que poderiam se arranjar perfeitamente bem com os chineses, sem muita ortodoxia e com algum desequilíbrio orçamentário. Quem liga para isso?

SPG: Esta situação tenderia a se agravar com a superação da crise econômica nos países altamente industrializados, que provocou a redução temporária de sua demanda por insumos primários. Com a retomada de seu crescimento industrial e de renda, esses países passarão a exercer uma pressão adicional ainda maior sobre os mercados de produtos primários, agrícolas e minerais, com alta possibilidade de aprofundar o processo de especialização regressiva dos países da América do Sul e em especial do Mercosul, que inclui as duas maiores economias industriais da região.

PRA: Que tragédia! A extraordinária demanda da China por matérias primas latino-americanas poderia ser negativa só se as velhas potências ocidentais voltassem também a importar extraordinariamente os mesmos produtos dos latino-americanos. Com isso eles regrediriam à fase primário-exportadora, algo que os chineses estão tentando impedir, justamente. Pode-se deduzir disso tudo que a recomendação de SPG seria pelo aprofundamento da boa relação com a China, não ortodoxa, e a consequente rejeição de novas investidas imperialistas das velhas potências ocidentais? Devo considerar isso uma mera opinião, ou será uma interpretação baseada em fatos? Preciso estudar mais...

SPG: Em sociedades cada vez mais urbanizadas e com populações expressivas, sob o impacto permanente da propaganda agressiva de estímulo ao consumo, essa especialização regressiva levaria a uma oferta de empregos industriais nessas sociedades insuficiente para atender à crescente demanda decorrente do crescimento demográfico e da necessidade de absorver os estoques de mão de obra secularmente subempregados e desqualificados. Os efeitos sociais dessa insuficiente geração de empregos urbanos seriam de extrema gravidade.

PRA: Essa extraordinária “propaganda agressiva de estímulo ao consumo”, que é um fato no capitalismo globalizado, apresenta um impacto certamente negativo para as massas urbanas latino-americanas; talvez o modo chinês de produção seja mais benéfico, no sentido de não incitar demasiado ao consumo, e sim à poupança. Eis aí uma boa política chinesa que os latino-americanos poderiam absorver: mais poupança e menos consumo; mas isso não está explícito na opinião altamente especulativa de SPG.

SPG: Esse cenário afetaria profundamente as perspectivas e as possibilidades de integração mais profunda entre os Estados do Mercosul na medida em que esta integração depende da vinculação cada vez maior entre suas economias (e consequente vinculação política) o que somente é possível pelo intercâmbio de produtos industriais pois, no setor  agrícola, além da menor gama de produtos típica desse  setor, as produções dos quatro países são, em larga medida, concorrentes. Suas economias ficariam gradual ou até mesmo rapidamente cada vez mais isoladas umas das outras e o processo de integração mais profunda ficaria definitivamente abalado e reduzido a esforços de cooperação em setores importantes, porém limitados. 

PRA: O cenário interpretativo é altamente nebuloso, mas se pode ainda assim perceber a opinião de SPG: contrária ao “regressismo” agrícola (ou mineral), e favorável ao “progressismo” industrial. Falta, porém, uma análise adequada do que está conduzindo os latino-americanos a essa situação, se são fatores internos, externos, se é a China, ou se são as velhas potências imperialistas. Se depreende, em todo caso, que os países do Mercosul devem intercambiar produtos industriais: todos?; na mesma intensidade?; nenhum espaço para especializações ricardianas?; eles podem competir em produtos industriais, mas não em agrícolas, certo? São tantas as dúvidas, que melhor esperar nova contribuição interpretativa, e opinativa, de SPG.

[CONTINUA...]

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