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terça-feira, 22 de agosto de 2017

Olavo de Carvalho, ou a apologia do irracionalismo - Augusto de Franco

Nota inicial: não vou pronunciar-me aqui e agora sobre o que eu acho do citado personagem, um grande empulhador -- com algumas tiradas absolutamente corretas, como suas diatribes iniciais no Imbecil Coletivo, e algumas introduções a textos selecionados que fez, sobre Otto Maria Carpeaux, por exemplo, ou comentários à obra de José Guilherme Merquior -- pois eu teria de me estender longamente sobre como pode ser danoso para um bom debate de ideias um "iluminado excêntrico", que conseguiu ter um exército de admiradores e até de seguidores fanáticos (como Bolsonaro aliás). Incrível como o anticomunismo doentio de alguns e o direitismo instintivo de outros os tenham conduzido tão longe na direção do " fascismo mental" que caracteriza o personagem em questão.
Uma só explicação, segundo minha opinião: a profunda ignorância, tanto da esquerda (ao endeusar o mafioso do Lula), quanto de uma suposta direita conservadora, em relação à princípios elementares do jogo democrático, ambas comprometidas com o seguidismo míope de líderes salvacionista s, que só podem acarretar maiores desastres para o Brasil.
Quem vai nos salvar dos salvadores da pátria?
Paulo Roberto de Almeida (22/08/2017)
PS.: Confirmei, por comentários absolutamente desvairados feitos a este texto de Augusto de Franco em uma postagem na qual o pesquei, que os seguidores de OC constituem, efetivamente, um exército de zumbis em busca do salvador absoluto.

Olavo de Carvalho
por Augusto de Franco
03/08/2017

"A novidade está no fato de Olavo ter conseguido fundar uma seita fechada, semi-esotérica e contar com muitos seguidores."

O autocrata Olavo de Carvalho não é apenas um pensador político conservador. Ele é um “desenvolvedor da Matrix”, ou seja, uma das pessoas que assumiu o papel de poluir o mundo com crenças míticas, sacerdotais, hierárquicas e autocráticas. É um dos defensores da civilização patriarcal, que difunde ideias legitimatórias da sociedade de castas.
Que existam pessoas assim não é novidade para quase ninguém. Todo o chamado esoterismo faz isso. Mas seus adeptos nunca passaram, na época atual, de remanescências vestigiais de um mundo vertical que já passou.
A novidade está no fato de Olavo ter conseguido fundar uma seita fechada, semi-esotérica e contar com muitos seguidores.
Em parte isso aconteceu como reação à trinta anos de hegemonização do PT na sociedade e contra pouco mais de dez anos de controle do Estado.
Figuras bizarras como Olavo e oportunistas eleitoreiros como Bolsonaro, cresceram durante este período se aproveitando da indignação geral com o PT e a esquerda.
Eles entraram na resistência democrática ao PT para poder faturar em benefício próprio, fazendo crescer suas igrejinhas ou seu eleitorado.
Aproveitaram-se do analfabetismo democrático reinante e da falta de experiência política de legiões de pessoas que queriam acreditar em alguma coisa diferente, numa nova doutrina que fosse capaz de explicar o mundo para elas (onde tudo, até a sua vida pessoal, fizesse sentido).
Agiram de caso pensado, para amealhar fiéis. Apoiaram o impeachment de Dilma para depois dizer que ele não resolve nada, se não criarmos uma nova elite intelectual (olavista) e elegermos um novo presidente (com a militância bolsonarista, uma turbamulta vil de bolsominions).
É um pensamento primitivo e perigoso para a democracia, baseado no mito. É não há a menor dúvida sobre isso: é um criadouro de correntes fascistas.
Olavo é craque em auto-promoção. Tanto é assim que mandou que seus fiéis fizessem um filme sobre ele: O Jardim das Aflições.
Ele já havia publicado (em 1995) um livro com esse título. O livro denuncia a visão do autor. Tomemos, a título de exemplo, apenas um trecho (e a nota correspondente) que fala das castas: sim, ele acha que a hierarquia é própria não apenas do Estado, mas natural na sociedade humana.
A nova sociedade, como todas as anteriores, tem as mesmas duas castas governantes – sacerdotal e aristocrática, autoridade espiritual e poder temporal — que existirão onde quer que seres humanos se aglomerem numa coletividade que seja maior do que uma família; que existirão ora de maneira explícita, consagrada na constituição política nominal, ora de maneira implícita, invisivelmente entretecida na grade de uma constituição que não reconhece a sua existência mas que não pode impedi-las de representar a verdadeira distribuição do poder; que subsistirão como um código secreto no fundo de todas as constituições políticas, sejam democráticas ou oligárquicas, monárquicas ou republicanas, liberais ou socialistas, porque estão imbricadas na constituição ontológica e até mesmo biológica do ser humano e são compatíveis, funcionalmente, com qualquer organização nominal do poder político.
Elas são uma “constante do espírito humano”, que nenhuma constituição, lei ou decreto, ainda que fundado na vontade da maioria, pode revogar (*).
Examinemos o que ele diz:

1 – As castas governantes – sacerdotal e aristocrática – existirão sempre, de modo reconhecido ou não pelas leis, onde quer que seres humanos se aglomerem numa coletividade.
2 – Essa estrutura de castas (na verdade uma hierarquia) estará invisivelmente entretecida na grade de qualquer constituição representando a verdadeira distribuição do poder.
3 – As castas subsistirão como um código secreto no fundo de todas as constituições políticas, sejam democráticas ou oligárquicas, monárquicas ou republicanas, liberais ou socialistas.
4 – As castas estão imbricadas na constituição ontológica e até mesmo biológica do ser humano e são compatíveis, funcionalmente, com qualquer organização nominal do poder político.
5 – As castas são uma “constante do espírito humano”, que nenhuma constituição, lei ou decreto, ainda que fundado na vontade da maioria, pode revogar.

Quer dizer, o ser humano já veio fabricado assim. Ou, pior, só pode ser definido (ou concebido) assim. Cada qual no seu degrau da escada. E não é apenas um atributo cultural (o que seria explicável, por exemplo, no contexto da cultura patriarcal): não! As castas estão imbricadas na constituição biológica de ser humano.
Que um autocrata religioso queira pensar assim, entende-se.
Dom Escrivá de Balaguer, fundador da Opus Dei, pensava parecido. Para não falar de conhecidos luminares do ocultismo ocidental, como Eugéne Canseliet.
De certo modo este é o pensamento da chamada tradição espiritualista, da teosofia e de algumas vertentes sacerdotais orientais que chegaram ao Ocidente por volta do século 12.
 Mas que milhares de pessoas que não teriam nenhum motivo para aderir a esses esquemas explicativos e normativos monstruosos, deixem-se infectar por tais programas de escravidão ou de servidão, isso é uma notícia triste para a democracia.
Por tudo isso é bom repetir. Não se deve subestimar o efeito deletério desse tipo de apostolado dedicado à difusão de ideologias malignas e anti-humanas.
Não tem nada a ver com esquerda x direita, como acreditam os tolos.
Tem a ver com ordem, hierarquia, disciplina, obediência, comando-e-controle, punição e recompensa e fidelidade impostas top down.
Tem a ver com um padrão civilizatório moldado por predadores e senhores. Ou seja, o oposto exato da democracia (que significa – e desde Esquilo se sabe disso – não ter um senhor, não ser escravo nem súdito de ninguém).
(*) Nota de Olavo de Carvalho. Se a intelectualidade moderna perdeu de vista a existência das castas (tornando-se até mesmo incapaz de perceber sua própria condição de casta), foi por tê-las confundido com as “classes” definidas por traços exclusivamente econômicos.
Na grade diferenciadora estabelecida por Marx — e copiada com automático servilismo por toda a tradição dominante nas ciências sociais —, as distinções de castas por funções espirituais, culturais, psicológicas e políticas tornavam-se invisíveis.
Como a queda do comunismo parece não ter bastado para eliminar o prestígio residual do marxismo como ciência, nunca é demais insistir que há mais diferenças hierárquicas entre os homens do que imagina a nossa vã sociologia.
As distinções econômicas, como viu E. P. Thompson (op. cit.), não bastam sequer para definir uma classe no sentido marxista.
E, se recorrermos a distinções mais complexas e sutis, acabaremos fatalmente recolocando na linha das preocupações sociológicas a velha teoria das castas (como já o fez, por exemplo, Louis Dumont em Homo Hierarchicus.
O Sistema das Castas e suas Implicações, trad. Carlos Alberto da Fonseca, São Paulo, Edusp, 1992 — um estudo infelizmente limitado ao sistema hindu, mas suficiente para sugerir a subsistência real de diferenças hierárquicas de tipo casta na sociedade Ocidental moderna). —
No sentido em que aqui emprego os termos, adaptados à situação moderna, “casta sacerdotal” significa simplesmente os encarregados do guiamento espiritual do povo — uma categoria que abrange desde gurus e magos (autênticos ou falsos, pouco importa), sacerdotes e altos dignitários de sociedades secretas até os ideólogos de largo escopo, os acadêmicos, cientistas e técnicos e a arraia-miúda intelectual das universidades, do movimento editorial e da imprensa.
“Casta aristocrática” significa todos os que exercem o poder político-militar ou têm condições de reivindicá-lo: isto vai desde os governantes até os políticos de oposição, passando pelos escalões superiores do funcionalismo público, pelas lideranças sindicais e por aquela parcela do empresariado capitalista urbano ou rural que tenha força suficiente para fazer lobby.
Há evidentemente interseções, que não apagam a linha divisória essencial. Abaixo dessas duas castas, há os empresários sem força política direta, qualquer que seja o seu tamanho (o que vai desde o grande empresário politicamente isolado até os pequenos comerciantes e proprietários rurais, bem como toda a parcela da classe média que se ocupe somente da vida civil, sem interferir diretamente em política), e mais em baixo ainda a imensa massa dos braçais, que vai desde o proletariado politicamente “alienado” até os párias e desclassificados de toda ordem desde que não exerçam poder político através de movimentos sociais ou do banditismo organizado (pois neste caso fazem parte da casta aristocrática).
Essa classificação baseia-se na distribuição real do poder, e não em meras abstrações econômicas; e, sem se deixar iludir por aparências e formalismos, entende que a mais alta forma de poder é aquela que governa as mentes dos homens; logo, o da casta sacerdotal, que gera a aristocracia e, elevando-a ao poder político, depois a julga e eventualmente condena, derrubando-a com o auxílio das castas inferiores; só a casta que detém o poder espiritual pode legitimar o status quo ou mudá-lo, seja pacificamente ou pela violência; definir o poder exclusivamente por critérios econômicos e políticos foi um truque sujo da intelligentzia para ocultar seu próprio poder.
 Sobre a psicologia das castas, idealmente considerada e fora de toda referência às sociedades modernas, v. Olavo de Carvalho, Elementos de Tipologia Espiritual (apostila), São Paulo, IAL, 1988.
Sobre as formas de poder das castas superiores, também consideradas fora do contexto atual, v. René Guénon, Autorité Spirituelle et Pouvoir Temporel, Paris, Vega, 1947, bem como Georges Dumézil, Mythe et Epopée, já citado.
Sobre as castas no contexto atual, nunca li trabalho algum que valesse a pena, mas reconheço a dívida que, para a formação de minhas idéias a respeito, tenho para com meu querido mestre e amigo, já falecido, Juan Alfredo César Müller, pelos ensinamentos recebidos em conversas inesquecíveis, noite adentro, em seu sítio na floresta da Cantareira, São Paulo.

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