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segunda-feira, 9 de abril de 2018

Velho abecedario da politica (2011) - Paulo Roberto de Almeida

Este abecedário foi composto em 2011. Desde então não creio que a situação tenha melhorado muito, ao contrário, deve ter piorado exponencialmente...

 Abecedário Brasileiro da Conjuntura Política

O Corretor Republicano

Abecedários, desses didáticos, costumam ser mais permanentes, eu sei, mas é que a realidade politica brasileira é tão rica, tão diversificada, sobretudo em certas áreas de enorme responsabilidade, como nas altas esferas celestiais do governo, que não se consegue resistir à tentação de oferecer um pequeno ABC dos eventos correntes, daqueles que empolgam a energia dos leitores compulsivos de jornais, como eu, que ficamos encantados ao encontrar tão rica fauna (e flora) nos jornais, todos os dias. Daí a composição deste rápido elenco de notícias, curiosidades, coisas bizarras, algumas idiotas, mas que nos encantam sobremaneira, pelo seu charme pouco discreto e, em alguns caso, propriamente surrealista. Em todo caso, essa atualidade rica de exemplos (pouco nobres, é verdade) nos induziram a compor um guia alfabético da atualidade política, para maior deleite dos iniciados, dos desocupados, dos desatentos (como eu...).

A:
ABIN: deveria alertar o governo para candidatos corruptos a cargos públicos e para a invasão de prédios públicos pelos neobolcheviques do MST, e não consegue fazer nem isso: o governo é avisado pela imprensa de funcionários corruptos, e se surpreende quando seus aliados paralisam algum ministério; melhor fechar a ABIN;
Aloprados: seres bizarros, que de vez em quando ocupam a crônica política e policial, ao mesmo tempo, sem que daí resulte nada de estranho (muito pelo contrário); continuam a postos, para serviços mais sofisticados, espera-se...
América Latina: cenário habitual de grandes discursos em favor da integração; todos os problemas são resultantes da exploração imperialista (a China já prometeu corrigir esse pequeno problema);
Apedeuta: Supremo Mestre, Guia Genial dos Povos, Líder inconteste das massas, Instinto Inato da Conciliação, etc., etc., etc.;
Argentina: o melhor sócio do Brasil no Mercosul: permite um grande saldo no comércio bilateral, mesmo sem manipulações cambiais no vizinho maior; relação estratégica e perfeito entendimento para a questão do Conselho de Segurança da ONU;

B:
Base de apoio: diz-se do conjunto de pessoas dispostas a ceder o seu voto por alguma outra compensação material, geralmente direta (mas indireta também serve);
Bingo: já teve até CPI, mas continua recrutando boas vocações; máquinas modernas, como em Las Vegas (enfim, não temos coristas); ganhou do jogo do bicho;
Bolívia: território de certificação de veículos usados, podendo ser legalizados se nenhum proprietário legal aparecer; costumava desapropriar refinarias, antigamente;
Brasil: país surrealista situado a centro-leste da América do Sul; segue a teoria de Galileu: se move, apesar de tudo... (aos trancos e barrancos, como diria Darcy Ribeiro; ou então, progredindo por fatalidade, como diria Mario de Andrade);
Buracos: depende de onde for: nas estradas, costumam produzir buracos orçamentários ainda maiores; nos orçamentos são tapados com previsões maiores de receitas;

C:
Câmara: parte do Congresso (vide abaixo); são muitos e não conseguem se sentar ao mesmo tempo: segurança providencia banquinhos de festa; ficam falando no discurso dos colegas, o que motivou a mesa a pagar curso de reeducação;
Celular: produto perigoso; melhor ter dois ou três: sempre tem orelhas à escuta...
Congresso: nos EUA, o centro real das decisões políticas; no Brasil, o centro surreal das decisões políticas; alguns já compararam a um bazar, mas deve ser maldade...
Contribuições: ao contrário dos impostos, não precisam ser repartidas com os estados, daí sua multiplicação desde a Constituição de 1988; também tem aquelas que vão para a caixinha dos políticos, eventualmente declaradas segundo a legislação eleitoral (mas isso não é obrigatório);
Corrupção: a impressão de que aumentou é falsa: o governo assegura que o que aumentou foram as operações contra a corrupção (que por um infeliz acaso, envolvem cada vez mais gente do governo); Brasil não é campeão: deve ter pelo menos vinte países mais corruptos no mundo; somos apenas os melhores nesse esporte;
Cotas: indispensáveis para realizar a justiça social; dividem o país entre negros e o resto, sendo que o resto não precisa de cotas, por ser maioria; agora, mais da metade da população brasileira se define como sendo afrodescendente, o que pode atrapalhar um pouco...

D:
Diplomacia: soberana, como deve ser; altiva e ativa; de grande projeção internacional; império finalmente se dobra ao charme indiscutível e à importância do Brasil;
Direitos Humanos: todo mundo tem seus problemas, e não se deve politizar a questão;
Dívida: já houve um tempo em que era impagável, sobretudo a externa, objeto dos xingamentos habituais dos patriotas; hoje se convive muito bem com ela, já que permite um clima de harmonia entre banqueiros e os militantes das boas causas;

E:
Estado: grande mãezona generosa, que provê alimento, carinho e renda digna a todos os cidadãos; tudo no Brasil é dever do Estado e direito dos cidadãos (mas esqueceram de dizer quem paga; ora, quem paga é você, leitor!);
Estupidez: muito mais frequente do que se imagina, mas que pode ser apresentada como esperteza, dependendo de quantos amigos se possui nas colunas políticas dos jornais;
Evangélicos: bancada poderosa, que não convém contrariar; todo candidato vira cristão evangélico em época de eleições e adere à filosofia básica do credo; prometem corrigir os gays e menos gays, mediante orações e preces ao divino; vão agora atacar os livros didáticos: muito darwinistas para o seu gosto...

F:
Fiscal/Fiscalização: o que falta para impedir definitivamente a corrupção no Brasil?: o governo já está providenciando concurso para recrutar mais 15 mil fiscais, a serem distribuídos por todo o Brasil; a corrupção vai aumentar (querem apostar?)
Fome: Desapareceu, depois do sucesso do Fome Zero, que agora está sendo exportado para o mundo, via FAO e viagens do Grande Líder; o Brasil, na verdade, teve tanto sucesso no combate à fome, que agora luta com um problema de obesidade...

G:
Gaga: não temos Lady Gaga, mas temos várias personalidades gagás, que ainda não perceberam que seu tempo já passou; tem gente do arco da velha, que continua grudada no governo, pedindo cargos, títulos, funções, prebendas; ou seja, teremos um governo que vai passar quatro anos arrastando os pés...
Governo: entidade destinada ao bem comum e à felicidade geral de seus integrantes; 

H:
Hora do Brasil: programa atraente e bem editado, com notícias importantes, equilibradas e focadas no interesse geral dos brasileiros;
Horário Eleitoral Gratuito: ao contrário do que diz o nome, não sai de graça, mas não convém suscitar isso para o pequeno partido de patriotas que promete corrigir todos os males da nação;

I:
Ignorância: invocar sempre que surgir algo inesperado, que não estava previsto ser revelado pela imprensa (ver abaixo); a ignorância é permitida aos bebês, aos índios e aos políticos; idiotas dispõem de um vale-brinde para alegar ignorância...
Inépcia: característica quase inexistente entre nós, já que todos são tão bem preparados para os cargos públicos, e tão impolutos (outro verbete a ser inserido), que a ABIN nem se preocupa mais em levantar a ficha e verificar a capacidade do candidato ao cargo; a inépcia só surge depois, quando o sujeito senta na cadeira decisória...
Imprensa: inimiga do poder, de todo poder, por definição; mas pode-se também fazê-la trabalhar a favor, desde que alimentada e vestida propriamente; democratas sinceros querem controlá-la para evitar os abusos cometidos pelos jornalões conservadores e pelo Partido da Imprensa Golpista (PIG); pode ser uma caixa de surpresa, daí a necessidade manter boas relações nas redações;
Isonomia: princípio máximo organizador dos salários, gratificações e prebendas: todo mundo deve ser remunerado igualmente, pois o esforço é coletivo;

J:
Jejum: estado da oposição (catatônico, na verdade); incompetente, seria a expressão;
Justificativa: costumava preceder as medidas provisórias e explicar a sua razão de ser, além de especificar precisamente o seu objeto; com a multiplicação de MPs, para variados assuntos, nem sempre compatíveis entre si, perdeu sua razão de ser; tampouco é necessário ter alguma, quando algum político é surpreendido por alguma denúncia da imprensa (sempre malévola), ou pode-se usar uma genérica: “fiz o que todo mundo faz”; 

K:
Kilowatt-hora: medida de energia usualmente utilizada em eletrotécnica; costumava ser muito barata no Brasil, mas acabou ficando muito, cara já que é uma forma fácil de arrecadar recursos: ninguém consegue sobreviver sem energia; governo aproveita dessa situação para assaltar o bolso dos cidadãos e o caixa das empresas;

L:
Leituras: “Há uma diferença entre o Hitler e o Stálin que precisa ser devidamente registrada. Ambos fuzilavam seus inimigos, mas o Stálin lia os livros antes de fuzilá-los. Essa é a grande diferença. Estamos vivendo, portanto, uma pequena involução, estamos saindo de uma situação stalinista e agora adotando uma postura mais de viés fascista, que é criticar um livro sem ler”. (Ministro da Educação Fernando Haddad)

M:
Memória: brasileiros são singularmente desprovidos de; esquecem o nome dos deputados votados no dia seguinte; um escândalo é logo apagado da memória para dar lugar ao seguinte; só serve para guardar nome de atriz de novela e de jogadores de futebol no caso dos mais fanáticos;
Ministros: existem tantos que ninguém consegue lembrar de todos os nomes, nem o (ou a) presidente; alguns são incompetentes, mas são poucos, e estão ali por causa do partido, ou do Apedeuta, ou por sua própria competência em outros assuntos (a ver); deveriam atuar de forma coordenada, mas é difícil reuni-los todos...

N:
Neoliberal: ser desprezível, que quer vender o Brasil aos especuladores, aplicando discretamente as regras do Consenso de Washington; ideologia condenada e praticamente expulsa das universidades brasileiras, que souberam resistir bastante bem a esse assalto à razão e ao bem-estar coletivo; sobrevive em alguns redutos da direita, mas está acuado e condenado ao desaparecimento;

O:
Orçamento: peça mais importante na vida de uma nação, tão importante que o Brasil possuía três: o monetário, o fiscal e o das estatais; mesmo unificado, agora, costuma ser objeto de revisão cuidadosa (para cima) por parte dos congressistas, que são mais otimistas do que o governo no volume de arrecadação; no Brasil ainda tem a jabuticaba do orçamento aprovado e do contingenciado, solto aos poucos, ao saber da conjuntura política...

P:
Parcerias Público-Privadas: governo demorou quatro anos para aprovar e depois esqueceu; já existiam no Império, foram esquecidas na República e renascidas na nova era de justiça social; geralmente o público paga para companhias privadas, o que recomendaria passar diretamente às privatizações (mas estas são condenáveis);
Partidos: forma moderna de organização política, consistindo no agrupamento de pessoas ideologicamente afins para a conquista do poder e a implementação de um programa de medidas visando ao bem comum; no Brasil, existe um mercado secundário dos partidos políticos, e até um supermercado de partidos, com grande oferta de modelos diversos nas estantes, servindo basicamente aos mesmos fins;
Política: forma suprema do entendimento humano, mais bem social; substituí a guerra, mas pode ser uma guerra por outros meios; no Brasil se divide entre alta política, média política e baixa política, sendo por vezes difícil distinguir entre as três;

Q:
Quadro: diz-se do militante partidário que paga regularmente seu dízimo ao partido (mesmo se retirado do orçamento público em virtude do aparelhamento generalizado do Estado); técnico qualificado da burocracia estatal, recrutado mediante concurso, que todo brasileiro espera fazer desde criancinha;

R:
Receita: o órgão mais importante do país; está presente na vida de todo brasileiro, mesmo sem ele saber, sem perceber e sem sentir; tem um único objetivo: aumentar a arrecadação, em qualquer tempo e circunstância; cumpre bem o seu papel;
Risco: costumava estar associado à classificação efetuada por agências especializadas em medir riscos não comerciais; no Brasil são poucos os riscos incorridos em atividades mais heterodoxas, digamos assim; tanto é que tem gente que nem se preocupa mais com denúncias ou flagras da imprensa;

S:
Saúde: chegando perto da perfeição: governo pensa em exportar o SUS para a OMS;
Senado: altas responsabilidades: senadores deveriam controlar as operações financeiras externas, mas acabam controlando as suas próprias; ótima editora e gráfica;
Socialismo: dura enquanto durar o dinheiro dos outros; justiça social; todo mundo no Brasil é socialista, inclusive os membros do Partido Liberal;

T:
Terras: depende de quais; se for de grandes proprietários, do agronegócio, por exemplo, precisam ter sua produtividade reavaliada para fins de reforma agrária; se forem públicas, servem para integrar o programa de reforma agrária do governo (mas só se estiverem bem localizadas) e ser distribuídas a pessoas perfeitamente incompetentes para fazê-las trabalhar, que depois as venderão no mercado secundário, para gente mais competente; também servem de justificativa para a existência de um partido neobolchevique que diz que pretende fazer reforma agrária nas terras dos outros; se forem compradas por estrangeiros, devem ser desapropriadas, em nome da soberania, se ultrapassarem 2 mil ha.; 
Tesouro: cuida bem do nosso dinheiro; de vez em quando passa algum ao BNDES, que o repassa à Petrobras ou a outras empresas dedicadas ao desenvolvimento nacional;
Torcedores: tribo de seres primitivos que se dedicam a estranhos rituais, como xingar o juiz, obrigar a troca do técnico após duas derrotas e, de vez em quando, massacrar algum torcedor adversário desavisado ou distraído; existem alguns que pensam...
Trem-bala: ao contrário do nome, ainda não conseguiu demonstrar suas qualidades, salvo aquela bem brasileira de multiplicar orçamento, correções e aditivos, mas tudo isso de forma antecipada, antes mesmo de sair do país; aí está sua grande qualidade: subiu de preço numa rapidez impressionante, nunca antes vista neste país e em qualquer outro...

U:
Universidades: se forem públicas, são templos do saber; se forem privadas, são tabajaras, mas ainda assim merecedoras de recursos públicos para realizar a inclusão educacional; produzem muitas teses (infelizmente não muitas patenteáveis);

V:
Veado: antigo animal do jogo do bicho; deu lugar a animais mais vistosos, atualmente, todos orgulhosos de sua condição; fazem até paradas;
Vida pública: a mais nobre das ocupações; por vezes vem misturada à vida privada, mas ninguém liga muito para isso; pequenos desvios são ignorados; grandes desvios são até elogiados, como esperteza política;

X:
Xis da questão: No Brasil, existem milhares de técnicos de futebol e outros milhões que proclamam, orgulhosa e sabiamente: “O problema do Brasil é... (este aqui)”, e aí soltam justamente a expressão fatídica, o tal de “xis da questão”, que, uma vez resolvido, converterá a pátria-mãe num mar de tranquilidade, num paraíso de benefícios sociais, para sempre redimido de outros “xizes” das questões;

Y:
Yoani Sanches: incomoda a esquerda no Brasil, que queria continuar apoiando a ditadura celerada dos irmãos Castro e apresentar todos os dissidentes como agentes do império; uma blogueira independente destrói a propaganda pró-Castro de idiotas consumados (e desonestos) como Frei Beto e Emir Sader;

W:
Walt Disney: fundador do grande império da ideologia americana, o mais cultuado, atualmente, pelas classes médias brasileiras, que estão indo duas vezes por ano a Disney World, graças à valorização do real e à desvalorização da moeda americana;

Z:
Zebra: animal muito comum no futebol e na política, mas possui conotações diferentes (e talvez roupas diferentes) quando está na segunda condição; 
ZZZZ: desculpem, mas esse abecedário me cansou e me deprimiu; agora vou dormir...


O Corretor Republicano
 (4 de agosto de 2011) 

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