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sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

A absurda postura diplomática de Amorim e Lula 3 sobre a guerra de agressão da Rússia à Ucrânia - Forum de Davos

 Começa pelo fato de que NÃO HÁ guerra de agressão, depois vai para ilusões sobre a Rússia (PRA): 


Em Davos, Brasil defende ponto de convergência entre Rússia e Ucrânia 

Na quarta reunião entre conselheiros de segurança, Celso Amorim propõe abertura de diálogo O governo brasileiro defendeu o diálogo na guerra entre Ucrânia e Rússia, sem partir para o confronto. Uma nova reunião entre os conselheiros de segurança nacional de todo mundo aconteceu, neste domingo (14), em Davos, na Suíça, com foco no projeto de paz para encerrar quase dois anos de guerra entre os dois países. Esta foi a quarta reunião - desta vez, o governo suíço marcou o encontro nos alpes suíços, um dia antes do Fórum Econômico Mundial, que começa nesta segunda-feira e vai até sexta-feira. 

 O Brasil foi representado pelo embaixador Celso Amorim, atual assessor especial da presidência para assuntos internacionais. Ao Valor, Amorim afirmou que há uma diferença de percepção nas discussões dos países que negociam acordo de paz entre Rússia e Ucrânia. O Brasil, alinhado à Índia, África do Sul e Arábia Saudita, defende a abertura de um espaço de negociação com a Rússia que poderia gerar um ponto de convergência entre os dois países em guerra. Um dos assuntos que poderiam ser debatidos é a troca de presos, além do tema da segurança alimentar. 

O governo ucraniano jogou luz sobre a questão das crianças raptadas e desaparecidas por conta desse conflito. Para o governo brasileiro, o caminho seria discutir parâmetros que possam convergir para um acordo. Sem desmerecer a Ucrânia, Amorim é a favor que o governo de Volodymyr Zelensky abra espaço para criar diálogo com a Rússia. Os russos não foram convidados para participar desse encontro, que terminou sem um caminho claro antes da chegada do presidente da Ucrânia em Davos. Zelensky está previsto para fazer um discurso na terça-feira (16) no Fórum Econômico Mundial. A Ucrânia tem buscado o apoio de países emergentes. A Ucrânia, com forte apoio dos seus aliados, tem afirmado consistentemente que não desistirá até que tenha recuperado cada pedaço de território que a Rússia tomou. 

Não está claro, no entanto, se os países do Sul Global concordam com esses termos como parte de uma fórmula de paz. 


terça-feira, 13 de junho de 2023

A estranha viagem de Celso Amorim para falar de paz na Ucrânia em fórum da Noruega, que acabou sendo desmarcada - Ricardo Della Coletta (FSP)

A alegação de que Amorim "ficou em Brasília para participar da recepção de Ursula von der Leyen" não se sustenta minimamente. Lula deve ter vetado a viagem depois que Amorim havia confirmado presença, mas depois que sua performance em Hiroshima ficou abaixo do esperado, e até do desejável, sendo não só ofuscado pela presença de Zelensky, como também se recusou a encontrar o presidente ucraniano. 

Lula é do tipo vingativo, e não pretende mais falar com Zelensky, e por isso Celso Amorim teve de cancelar sua viagem, já que o chefe prefere privilegiar Putin e seus amigos autocratas, a lutar verdadeiramente pela paz na Ucrânia. 

Lamento mais essa diminuição da credibilidade diplomática do Brasil, e antecipo que este novo gesto deve retirar do Brasil a credencial para continuar propugnando por um "Clube da Paz". Resta ver o que Lula vai conversar com Macron, e outros líderes mundiais, e como ele vai seguir em suas tergiversações sobre como se obter "menos intervenção armada na Ucrânia", conforma ele recitou para a comissária europeia.

Custa a crer que a diplomacia brasileira possa ser humilhada pelo seu próprio chefe.

Paulo Roberto de Almeida

 Celso Amorim confirma e depois cancela ida a fórum sobre paz na Noruega

Principal assessor de Lula para política externa apresentaria visão brasileira sobre conflito na Ucrânia
Folha de S. Paulo, 13 junho 2023 às 14h13
Ricardo Della Coletta

O assessor especial do presidente Lula (PT), Celso Amorim, cancelou a participação que faria em uma das principais conferências internacionais sobre negociações de paz, o Oslo Forum.

O convite foi feito pelo governo da Noruega, que sedia o encontro. De acordo com a assessoria especial do Planalto, Amorim abriria um dos dias de debate para falar sobre a visão do Brasil em relação ao conflito entre Ucrânia e Rússia —tema que figura entre as prioridades do presidente brasileiro na arena externa.

Também havia a possibilidade de uma reunião de Amorim com o premiê da Noruega, Jonas Gahr Støre —ambos se conhecem porque coincidiram na chefia das respectivas chancelarias entre 2005 e 2010.

A viagem do principal assessor de Lula para temas internacionais chegou a ser publicada no Diário Oficial. Em 6 de junho, o petista autorizou o afastamento de Amorim entre 11 e 15 deste mês para ir a Oslo.

Apesar da centralidade que o conflito na Ucrânia tem na política externa de Lula, Amorim alegou questões de agenda para cancelar a visita. De acordo com sua assessoria, ele ficou em Brasília para participar da recepção de Ursula von der Leyen e de outros compromissos nesta semana. A data da passagem da presidente da Comissão Europeia pela capital é conhecida desde meados de abril. Amorim também deve acompanhar Lula em reuniões na Itália e na França na próxima semana, ainda segundo sua assessoria.

O Oslo Forum é organizado pela chancelaria da Noruega, país com ampla tradição na mediação de conflitos, e por uma organização humanitária suíça. Segundo o site do evento, neste ano a reunião abordará os principais acontecimentos diplomáticos e geopolíticos da atualidade, com discussões sobre os conflitos na Ucrânia, no Sudão e no Iêmen, entre outros. "A agenda inclui sessões sobre como garantir que a voz de todas as partes sejam ouvidas e formas de alcançar uma paz sustentável, muitas vezes baseada em acordos duramente conquistados e originados da exaustão militar e do pragmatismo."

Nesta segunda (12), o Oslo Forum anunciou que entre os participantes desta edição estão os chanceleres da Indonésia, Retno Marsudi, e da Colômbia, Álvaro Leyva Durán, além do promotor do Tribunal Penal Internacional Karim Khan. Trata-se do responsável por ter solicitado a expedição do mandado de prisão contra o presidente da Rússia, Vladimir Putin, por acusações de crimes de guerra cometidos na Ucrânia.

Segundo pessoas que conhecem o funcionamento do fórum, a lista completa de participantes é mantida em sigilo. A rede pública de comunicação norueguesa NRK informou recentemente que alguns integrantes do grupo extremista Talibã, que governa o Afeganistão, participariam da conferência. A organização do evento diz que mais de cem mediadores e atores envolvidos em processos de paz devem comparecer.

Amorim é apontado como o arquiteto da abordagem de Lula para a Guerra da Ucrânia. O presidente tentou se colocar desde o início de seu terceiro mandato como possível mediador do conflito, mas declarações vistas pelo Ocidente como favoráveis à Rússia geraram forte desconforto dos EUA e da Europa.

A fala de Lula que gerou mais reações ocorreu em Pequim, durante visita à China, em abril. Na ocasião, cobrou que os EUA "parem de incentivar a guerra e comecem a falar em paz" para encaminhar um acordo no Leste Europeu, uma referência ao envio de armas para que Kiev se defenda das ofensivas russas.

Poucos dias depois, enquanto o chanceler russo, Serguei Lavrov, era recebido em Brasília, um porta-voz do governo americano descreveu a postura de Lula sobre a Ucrânia como "repetição automática da propaganda russa e chinesa" e "profundamente problemática".


sexta-feira, 12 de maio de 2023

Plano de paz do Brasil pode funcionar com cansaço de países na guerra, diz Amorim - Patricia Campos Mello (FSP)

 Guerra da Ucrânia Diplomacia Brasileira Governo Lula

Plano de paz do Brasil pode funcionar com cansaço de países na guerra, diz Amorim

Assessor de Lula se reuniu com Zelenski e sugeriu modelo de 'negociação por proximidade' entre Rússia e Ucrânia

São Paulo

O assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para política externa, Celso Amorim, propôs ao presidente da UcrâniaVolodimir Zelenski, o início de um processo diplomático chamado de "negociações por proximidade", mesmo antes de a Rússia desocupar os territórios que capturou.

Nesse modelo, dois países em conflito se reúnem em uma cidade e se comunicam por meio de intermediários não alinhados a nenhum deles, trocando informações sobre posicionamentos e ideias e se preparando para o contato direto.

O assessor especial para política externa do presidente Lula, Celso Amorim, durante reunião no Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia, em Kiev
O assessor especial para política externa do presidente Lula, Celso Amorim, durante reunião no Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia, em Kiev - Divulgação Governo da Ucrânia

Zelenski tem deixado claro que o único plano de paz aceito pela Ucrânia tem como condição prévia a desocupação dos territórios ucranianos e reforçou esse posicionamento nas redes sociais após o encontro com Amorim nesta quarta-feira (10).

Mesmo assim, o ex-chanceler se mostrou otimista. "Ele ouviu", disse à Folha, descrevendo a reação do ucraniano às ideias do Brasil para a paz.

 

Qual foi o objetivo da sua visita à Ucrânia? O objetivo foi a criação de confiança, manutenção do diálogo. A negociação tem várias etapas, a primeira é a criação de confiança entre os atores. Para isso, ela foi muito positiva.

Zelenski abordou a ideia de criar um tribunal internacional para julgar o crime de agressão? Qual é o posicionamento do Brasil nesse sentido? Não abordou. Para cada lado, a agressão é vista de forma diferente. Se você falar com os russos, eles vão dizer que as populações russas do leste da Ucrânia também estão sendo atacadas. Eu compreendo a posição dos ucranianos, eles querem naturalmente mostrar como foram vítimas da agressão, mas eu não quero ficar nisso.

Acho importante, até comentei com Zelenski, o processo diplomático chamado "negociações por proximidade", citado por Thomas Pickering. É um método usado com sucesso em situações análogas [Pickering foi embaixador dos EUA na ONU e citou a abordagem que envolve países terceiros em artigo na revista Foreign Affairs].

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    O terceiro país seria o Brasil ou a China? A China é um país que tem grande influência, comentei com o presidente Zelenski. Não estou dizendo se ele concordou ou não. E o Brasil também tem muita influência, por suas características. É só ver a importância que a mídia internacional dá à posição do Brasil.

    Em tuíte após a reunião com o senhor, Zelenski afirmou que "o único plano capaz de deter a agressão russa é a fórmula de paz da Ucrânia". Ou seja, ele continua rejeitando a ideia de negociar antes de a Rússia desocupar os territórios ucranianos. Ele vai verbalizar dessa forma, da mesma maneira que os russos dizem que esse não é o melhor momento para negociar. Mas a gente não pode desistir. Desistir é a pior opção. Haverá um momento, até mesmo pelo cansaço dos países que apoiam um ou outro, em que o dano causado pela guerra será maior do que prejuízo causado por alguma concessão. Nesse momento, é importante que já haja países que estejam articulados, para que a oportunidade não escape entre os dedos. Eu acho que esse pode ser o papel do Brasil.

    O secretário de Estado americano, Antony Blinken, afirmou que "se a Rússia parar de lutar, acaba a guerra. Se a Ucrânia parar de lutar, acaba a Ucrânia", em alusão à possibilidade de que Moscou fique com os territórios capturados. Como vê essa declaração? Temos conversado com os americanos também, sabemos de algumas preocupações deles. Mas as situações econômicas e políticas vão evoluindo. Respeito muito a posição dele, mas acho que tudo isso é muito retórico. Chegará o momento em que os países terão que optar entre a paz e a vitória; a vitória não virá claramente para nenhum dos dois.

    Existe justamente essa aposta da Rússia de que o Ocidente vai se cansar, por motivos econômicos e políticos, de ajudar a Ucrânia, e que assim os russos vencem o conflito. Poderá sim haver o cansaço, mas o que é uma vitória de um ou de outro? É difícil de dizer. Ninguém levará tudo que quer de jeito nenhum. Então qual será a concessão fundamental?

    Como o senhor vê a proposta de Zelenski de fazer uma cúpula Ucrânia-América Latina? Na minha opinião, isso mostra que ele tem confiança no Brasil.

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    Mesmo ele dizendo que o único jeito de parar a agressão russa é a fórmula ucraniana que implica desocupação dos territórios? Eu não esperaria que ele dissesse outra coisa. Eu não fui para lá para dizer "esta proposta aqui está certa ou errada". Eu também conversei com Putin durante uma hora. A gente não tem uma tese, queremos apenas tornar o diálogo mais próximo, possível, talvez inicialmente de uma forma indireta. Eu não o vi reagir negativamente a essa ideia indireta. Mas não estou dizendo que ele concordou.

    Zelenski encarou com boa vontade o Brasil como mediador? Ele ouviu. A gente tem que ir falando, conversando, até surgir uma situação, às vezes algum aspecto específico, humanitário, alimentar, e aí expandir a negociação.

    Eles levaram o senhor para Butcha (cidade ucraniana onde corpos foram encontrados nas ruas e em valas comuns após a retirada russa)? Sim, mas em Butcha vimos uma igreja, e dentro dela, uma exposição fotográfica. Obviamente nós somos contra as atrocidades e as mortes em qualquer lugar que ocorram. São imagens fortes, não vou entrar em detalhes. Mas não dá para tirar conclusões totalmente, são fotos.

    Quais são os próximos passos? Continuar conversando. Esta visita era um passo importante que tinha que ser dado para mostrar que o Brasil é a favor da paz, não de A ou de B.

    Zelenski convidou Lula a ir para a Ucrânia. Há previsão para a viagem? Não discuti isso com o presidente.

    E há um convite da Rússia para o fim de junho. Tudo isso será avaliado.


    Raio-X | Celso Amorim, 80

    Atual assessor-chefe da assessoria especial da Presidência da República, é considerado o principal conselheiro de Lula na área de política externa. Foi chanceler por dois períodos: primeiro no governo de Itamar Franco, de 1993 a 1995, e, depois, nos governos Lula 1 e 2, de 2003 a 2011. Nesse meio-tempo, chefiou a missão brasileira na ONU, em Nova York e em Genebra.


    Entre conselhos e controvérsias, Celso Amorim dá as cartas no Itamaraty - Ricardo Ferraz (Veja)

     Entre conselhos e controvérsias, Celso Amorim dá as cartas no Itamaraty


    Assessor especial e amigo de Lula é ideólogo da diplomacia 'ativa e altiva'. A polícia externa, no entanto, vem ostentando mais pisadas na bola do que gols

    Por Ricardo Ferraz 
    Veja, 12 Maio 2023

    Depois de encarar uma viagem de avião a Varsóvia, deslocar-se de lá para a fronteira da Ucrânia e percorrer de trem 700 quilômetros até Kiev — idêntico trajeto trilhado, sob segurança máxima, pelo americano Joe Biden e pelo francês Emmanuel Macron, entre outros —, o diplomata Celso Amorim, assessor especial da Presidência da República, foi conduzido, na quarta-feira 10, direto da estação para um encontro com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, em lugar não revelado. Na bagagem, levava um plano de ação sabidamente incômodo para o anfitrião: decretação de cessar-fogo, seguida de abertura de negociações, de efeito imediato, com as tropas de Vladimir Putin ainda ocupando um naco do território ucraniano. A efetividade da proposta, que vem sendo repetida há meses pelo presidente Lula, é duvidosa, mas a reunião em Kiev deixa claros dois pontos vitais da política externa brasileira: o Brasil quer conquistar o protagonismo perdido no cenário internacional e Amorim é o idealizador deste e de outros movimentos d finidores no Itamaraty, e com pleno aval do presidente.

    O encontro não resultou em avanços concretos nem se esperava que o fizesse. “Eu enfatizei que o único plano capaz de deter a agressão russa na Ucrânia é a Fórmula Ucraniana para a Paz”, postou nas redes o presidente Zelensky. “O diálogo foi positivo, de criação de confiança, visando explicar nossos objetivos para a paz”, declarou Amorim. Ou seja: continua tudo como está.

    No papel de comandante de fato dos assuntos externos, Amorim busca implementar o que chama de “diplomacia ativa e altiva”, conceito que desenvolveu como ministro das Relações Exteriores nos dois mandatos anteriores de Lula. No caso da guerra na Ucrânia, essa política se traduz em uma posição ambígua: o Brasil condena a invasão promovida pela Rússia, uma agressão deliberada e injustificada, mas insiste em que, como diz Lula, “alguém precisa pensar na paz”. De preferência, ele, Lula. “É complicado dizer onde termina a esperteza e começa a ingenuidade”, alfineta um diplomata com posição de destaque no Itamaraty. Insere-se no clima geral de desconfiança dos reais interesses brasileiros o fato de o governo querer incluir os cinco integrantes dos Brics em um seleto grupo de nações encarregadas de “facilitar” um cessar-fogo, sem levar em conta que três deles — África do Sul, Índia e China — estão entre os 35 países que se abstiveram na votação da resolução da ONU que condenou a guerra (o quarto é a própria Rússia). Em vez de inspirar neutralidade, a iniciativa causa má impressão ns Estados Unidos e União Europeia, aliados relevantes do Brasil.

    Na cruzada por protagonismo e liderança no cenário internacional, a política externa brasileira tocada por Amorim ostenta mais pisadas na bola do que gols. No começo do governo, navios militares do Irã, país boicotado por quase todo mundo, tiveram autorização para ancorar no Porto do Rio de Janeiro. O assessor especial de Lula esteve em Moscou há um mês para reuniões com altos funcionários e Putin em pessoa abriu espaço na agenda para recebê-lo. Lula, por sua vez, recepcionou o ministro das Relações Exteriores russo, Sergey Lavrov, no Palácio do Planalto. Em outra ocasião, responsabilizou os países ocidentais que ajudam a Ucrânia militarmente pela continuidade da guerra — uma declaração desastrada, reflexo de conversas ao pé do ouvido com Amorim, que foi considerada “um deslize fora de tom” pelo próprio Itamaraty e rendeu protestos nas escalas seguintes, Portugal e Espanha (Lula, como se sabe, não tira o pé da estrada desde que assumiu a Presidência). Aproveitando a recente estadia em Londres, para a coração de Charles III, o presidente gastou saliva justificando as posições brasileiras junto ao primeiro-ministro Rishi Sunak. Sem sucesso. O premiê britânico não tocou no assunto publicamente.

    A visão de que o Brasil não deve “falar fino” com as potências mundiais, partilhada por Lula e Amorim, tem reflexo nas questões regionais. O presidente enviou seu ex-chanceler para reabrir a embaixada brasileira na Venezuela, fechada por Jair Bolsonaro, e Amorim aproveitou para estreitar as relações com Nicolás Maduro, em um encontro revelado pelo ditador em uma postagem nas redes sociais comemorando os “acordos de união e solidariedade” entre os dois países. “A busca por marcar diferenças com o governo anterior tem gerado controvérsias desnecessárias. O Brasil consegue se colocar como ator neutro trabalhando nos bastidores, sem precisar aparecer de maneira excessiva”, critica Leandro Lima, analista da consultoria Control Risks.

    Lula e Amorim tiveram dois encontros casuais antes de serem devidamente apresentados, no início do primeiro mandato, em 2003, pelo então assessor da Presidência Marco Aurélio Garcia. Três outros diplomatas foram sondados para assumir o Itamaraty, mas o presidente se decidiu por Amorim por motivos vários, inclusive alguns prosaicos: os dois compartilhavam a inconveniência de caspas no couro cabeludo. E rindo se aproximaram ainda mais. Na ocasião, Amorim era filiado ao PMDB e ex-chanceler do presidente Itamar Franco, mas, 139 viagens depois, tornaram-se amigos próximos. Uma delas foi a missão no Irã, em 2010, quando o Brasil anunciou haver convencido Teerã a produzirenergia nuclear só para fins pacíficos. Pelo feito, Lula chegou a acreditar que ganharia o Nobel da Paz (o que, aliás, teria virado uma obsessão incansável), mas o tal pacto foi desfeito em menos de 24 horas pelos Estados Unidos. A amizade se consolidou de vez quando Amorim, que quase não bebe, se rendeu a uma dose de uísque e, língua destravada, queixou-se de não poder chamar o presidente de Lula, simples assim. Ele prontamente concedeu a intimidade, que só é usada, a bem da verdade, quando estão a sós.

    Neste governo, Amorim indicou dois de seus ex-chefes de gabinete para posições centrais do Itamaraty: Mauro Vieira assumiu a pasta e Maria Laura da Rocha é secretária executiva. Indicações internas para embaixadas também passam por sua mesa, onde nomes já aprovados pelo chanceler têm sido riscados. Apesar da concentração de poder em mãos alheias, Vieira garante não sentir desconforto. “Eu e o Celso costumamos rir sempre que tentam criar intrigas entre nós. São especulações recicladas, que aparecem de tempos em tempos, ao longo de quarenta anos de amizade”, diz Vieira. Quando perguntado como quer ser tratado, Amorim recorre, em tom de brincadeira, a uma resposta irônica do ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger: “Excelência serve”. Quem o conhece sabe que a piada tem lá seu fundo de verdade.


    sexta-feira, 10 de março de 2023

    Lula envia Amorim em missão secreta à Venezuela para ampliar relação com Maduro - Janaína Figueiredo (O Globo)

    Lula envia Amorim em missão secreta à Venezuela para ampliar relação com Maduro

    Por Janaína Figueiredo — Brasília

    09/03/2023


    Por iniciativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma pequena delegação liderada pelo assessor especial da Presidência Celso Amorim chegou a Caracas na tarde de quarta-feira para o primeiro encontro de alto nível do governo com o chefe de Estado venezuelano, Nicolás Maduro. A reunião, mantida em segredo pelo Palácio do Planalto, foi informada quase em tempo real pelo governo venezuelano, através da conta de Maduro no Twitter.


    Segundo O GLOBO apurou, Amorim foi até Caracas ter uma primeira conversa com o governo venezuelano sobre a situação política no país, a importância das eleições presidenciais de 2024, além de temas da relação bilateral, entre eles a dívida que o país tem com o Brasil, de cerca de US$ 1 bilhão (dos quais 80% são com o BNDES).


    Uma parcela desta dívida, de em torno de US$ 100 milhões, vence em breve, e o governo Lula vem discutindo internamente como lidar com a questão. A viagem de Amorim surpreendeu até mesmo integrantes do Itamaraty, embora o chanceler, Mauro Vieira, tivesse sido informado, segundo fontes do Ministério das Relações Exteriores. O encarregado de Negócios do Brasil em Caracas, o embaixador Flávio Macieira, nomeado recentemente, está no Brasil.


    Enquanto Amorim realiza a primeira viagem de alto nível do governo Lula à Venezuela, o chanceler está no Paraguai, para reunir-se com autoridades do governo de Mario Abdo Benítez. A parceria entre Amorim e Vieira, confirmam fontes próximas a ambos, está funcionando muito bem, e o chanceler era uma das poucas pessoas que sabia da missão secreta do assessor especial do presidente.


    Em pouco mais de dois meses, o ministro teve mais de 50 reuniões com colegas de pasta de outros países, e outros ministros e autoridades estrangeiras.

    Já Amorim acompanhou Lula a Buenos Aires, Montevidéu, Washington e irá com o presidente à China. A possibilidade de uma viagem de Lula a Caracas ainda é incerta — mas considerada importante pelo governo brasileiro —, e o assessor presidencial foi, justamente, para iniciar a retomada das conversas diretas entre os dois governos, antes de um encontro de chefes de Estado.

    Na mesma semana em que o Brasil se posicionou pela primeira vez sobre a situação na Nicarágua, e os abusos cometidos pelo governo do presidente Daniel Ortega em matéria de violações dos direitos humanos, foi dado o primeiro grande passo para começar a trabalhar sobre a crise venezuelana. O governo Lula está disposto a conversar com membros da oposição, principalmente os que estão envolvidos no diálogo — atualmente interrompido — no México, mediado pela Noruega.

    Na véspera do encontro com o assessor presidencial brasileiro, Maduro se reuniu com o chanceler da Colômbia, Álvaro Leyva, também em Caracas. Na Venezuela, a sensação entre fontes locais ouvidas pelo GLOBO é de que os governos de Gustavo Petro e Lula querem contribuir para que a situação política da Venezuela se normalize e estabilize.O assunto tem sido discutido entre funcionários do governo brasileiro e representantes do governo de Joe Biden, um dos mais interessados em que o Brasil se envolva mais em iniciativas sobre Venezuela. As eleições de 2024 são vistas por brasileiros e americanos como uma oportunidade que não pode ser perdida, em termos de recomposição da democracia venezuelana.


    Se, de acordo com fontes brasileiras, Ortega é visto pelo governo Lula como um problema e uma ameaça para a região, no caso de Maduro a intenção é trabalhar para que o Brasil tenha um papel relevante no que se espera que seja uma transição política pacífica e civilizada, seja qual for o resultado das eleições presidenciais de 2024. Se o chavismo perder, a expectativa do Brasil é de que o poder seja entregue ao vencedor legítimo do pleito, sem sobressaltos.

    Já a Nicarágua é um caso bem mais complexo, que preocupa o governo e incomoda profundamente o presidente Lula, que conhece há mais de 30 anos o país e teve um vínculo direto com Ortega.

    https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2023/03/lula-envia-amorim-em-missao-secreta-a-venezuela-para-ampliar-relacao-com-maduro.ghtml

    quinta-feira, 20 de outubro de 2022

    Amorim defende Argentina nos Brics e não descarta voltar ao Itamaraty se Lula vencer - IstoÉ Dinheiro Online

     Amorim defende Argentina nos Brics e não descarta voltar ao Itamaraty se Lula vencer - ISTOÉ DINHEIRO

    Por Flavia Marreiro e Brad Haynes

    IstoÉ Dinheiro Online
    20 de outubro de 2022

    SÃO PAULO (Reuters) Principal assessor de política externa do candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Celso Amorim disse à Reuters que apoia a inclusão da Argentina nos Brics e defendeu que o grupo de países emergentes, que inclui a Rússia, possa ser um fórum para negociar a paz na Ucrânia.

    Ministro das Relações Exteriores nos governos Lula (2003-2010), Amorim participou da fundação dos Brics junto com Rússia, Índia e China. A África do Sul aderiu ao bloco em 2011. Agora, a Argentina pleiteia formalmente ser o sexto membro.

    É bom ter um equilíbrio também dentro dos Brics, ter um papel acrescido para a América Latina, disse Amorim em entrevista, apontando que a relação com os argentinos é a mais fundamental para a diplomacia brasileira. A eventual inclusão da Argentina seria positiva.

    O diplomata contou que discute com o ex-presidente petista regularmente questões de política externa, mas frisou que um eventual papel seu num futuro governo ainda não entrou na pauta.

    Lula lidera a corrida pela Presidência, mas a vantagem em relação ao presidente Jair Bolsonaro (PL) vem se encurtando e está em torno de 4 pontos percentuais.

    É botar a carroça na frente dos bois, afirmou Amorim, sobre discussão de cargos. Não descartou, porém, aceitar ser de novo chefe do Itamaraty, em caso de vitória: Não tenho nenhuma ambição em relação a isso, mas não posso recusar uma convocação do presidente Lula.

    Tem que ver o que é melhor para o Brasil. E aí tem que ser levado em conta muitos fatores. Eu acho que a idade pode, para alguns, trazer sabedoria, mas a juventude tem energia, ponderou o diplomata de 80 anos, 60 de carreira.

    MUNDO MAIS COMPLEXO
    Amorim afirmou que o mundo está mais complexo do que quando Lula passou pela primeira vez pelo Planalto. Lembrou igualmente que os Brics têm um peso distinto do que quando o grupo foi criado: a China é agora uma superpotência econômica consolidada e o bloco tem duas das três superpotências nucleares, disse, citando a Rússia.

    Sobre a guerra na Ucrânia, o ex-chanceler disse que a Rússia deve ser condenada pela invasão, mas defendeu uma negociação para que o conflito não se arraste. Neste contexto, disse que Lula, se eleito, poderia contribuir para negociações de paz.

    Ele tem condições de participar de um esforço de negociação, que precisa ser liderado pela União Europeia e pelos Estados Unidos, mas com a participação da China, obviamente. E aí o Brasil pode ser também um país importante, cuja voz é ouvida no mundo em desenvolvimento, disse Amorim. Os Brics como organização podem ajudar.

    O ex-chanceler também disse que Lula, se vencer, transformará o Brasil em um protagonista nas negociações climáticas globais, convocando uma cúpula da Amazônia com participação de países da América do Sul e nações desenvolvidas interessadas na preservação ele citou a França no primeiro semestre de 2023.

    Em um terceiro mandato, o petista também se empenhará para que o Congresso brasileiro aprove a entrada da Bolívia no Mercosul, contou Amorim.

    Um eventual futuro governo também abriria a porta para o Brasil reencontrar diplomaticamente com a vizinha Venezuela, comentou o ex-chanceler, criticando que a linha dura adotada por Jair Bolsonaro e pelo ex-presidente dos EUA Donald Trump não ajudou na situação venezuelana.

    Questionado sobre relatos de violações de direitos humanos na Venezuela e Nicarágua, governos de esquerda com ligações histórica com o PT, Amorim disse: O que nós pudermos fazer a favor da democracia de maneira respeitosa, não intervencionista, não arrogante, nós faremos, disse o diplomata.

    sábado, 13 de agosto de 2022

    A próxima imbecilidade do lulopetismo diplomático: OCDE, Mercosul, BRICS - entrevista CELSO AMORIM, comentários Paulo Roberto de Almeida

     Um anúncio precoce — o do ex-chanceler do Lula sobre o afastamento da OCDE (abaixo) — e a minha denúncia precoce sobre a próxima imbecilidade diplomática dos prováveis vencedores em outubro.

    Paulo Roberto de Almeida

    A provável política externa de um possível governo Lula já antecipa um atraso mais do que certeiro: a OCDE volta a ser tratada como “clube de países ricos”, o que além de ridículo é de uma estupidez atroz: alguns dos membros já eram ricos, quando criaram a OECE, em 1948, mas estavam destruídos pela guerra. Em 1960, quando virou OCDE, e agregou outros países, eles continuaram enriquecendo por causa das boas políticas e práticas econômicas da organização. A OCDE foi essencial para enriquecer os ex-socialistas da Europa central e oriental. Só um imbecil não reconhece seu papel essencial em retirar esses países do atraso e inseri-los na economia global. Até o México se beneficiou, embora seu “lado latino-americano” o tenha mantido atrasado.

    A outra imbecilidade é continuar caudatário de um BRICS que hoje serve para manobras geopolíticas de duas autocracias, das quais um tirano vem praticando sistematicamente crimes de guerra, depois de violar a Carta da ONU ao invadir e praticar uma insana guerra de agressão contra a vizinha Ucrânia. 

    Ou seja, a política externa lulopetista vai continuar nesse particular na mesma toada do bolsolavismo diplomático.

    Já fiz a minha denúncia antecipada, agora a matéria:


    Brasil deve priorizar Mercosul com UE e não OCDE, diz Amorim

    Termos de acordo com "clube dos ricos" teriam de ser estudados, diz conselheiro de Lula para assuntos internacionais.

    https://labnews.poder360.com.br/l/892i0TG7GpJtoi2vsAKjxB5A/qT97Fcy2P763KpMsO2wXfnRA/zxfq2fc5763VsNmc4nG8kFHw 

    quarta-feira, 10 de agosto de 2022

    CELSO AMORIM: o Brics vai se fortalecer - Entrevista Sputnik Brasil (247)

    Celso Amorim: Lula foi responsável não só pela projeção como pela criação do BRICS

    Ex-chanceler brasileiro fez um balanço da atuação do grupo e projetou o cenário para o BRICS no caso da eleição de Lula, como as pesquisas eleitorais vêm apontando.

    Por Marina Lang, da Sputnik Brasil - 

    3 de agosto de 2022, 18:27 h

    https://www.brasil247.com/brasil/celso-amorim-lula-foi-responsavel-nao-so-pela-projecao-como-pela-criacao-do-brics

    Quando o economista Jim O'Neil publicou seu artigo "Building Better Global Economic BRICs" ("Construindo uma melhor economia global BRICs", em tradução livre), em 2001, talvez sequer imaginasse que, sete anos depois, ministros das Relações Exteriores de Brasil, Rússia, Índia e China estivessem juntos em um encontro.

    O ano era 2008, a África do Sul ainda não era o "S" da coalizão de países e quem representava o "B" de Brasil nesse acrônimo internacional era o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, durante a segunda gestão do então presidente reeleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), atual líder isolado na disputa presidencial das eleições brasileiras deste ano.

    Quatorze anos depois, as placas tectônicas da geopolítica mundial se movimentaram. Muita coisa mudou, mas o BRICS segue sendo um dos grupos mais importantes na nova ordem de um mundo multipolar. De acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), o BRICS concentra 31,8% do produto interno bruto (PIB) global atualmente.

    De lá para cá, o ex-chanceler brasileiro fez um balanço da atuação do grupo em entrevista exclusiva de pouco mais de uma hora concedida à Sputnik Brasil na última segunda-feira (1º), além de projetar o cenário para o BRICS no caso da possível eleição de Lula, como as mais recentes pesquisas eleitorais vêm apontando.

    Amorim aponta as similaridades entre o grupo, mas enfatiza, principalmente, duas grandes diferenças entre os países que o compõem: a questão das armas nucleares — sobre a qual defende veementemente a eliminação total delas — e a dificuldade de se encontrar um consenso sobre a reforma do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), que considera urgente e cujo entrave principal, em sua avaliação, se encontra na posição chinesa a respeito.

    "O Brasil é membro do BRICS, mas o Brasil também é membro da Coalizão da Nova Agenda, com países variados, como Nova Zelândia, que querem a eliminação total das armas nucleares. Porque nós partimos do pressuposto de que, enquanto existir algum país com arma nuclear, o risco existe. Em geral, as potências nucleares falam muito em não proliferação. Tudo bem, mas temos que falar na eliminação das armas nucleares", sublinha. 

    Veja abaixo os principais trechos da entrevista do ex-chanceler Celso Amorim sobre o BRICS, parte de uma série publicada ao longo desta semana.

    Sputnik Brasil: Qual a importância que o grupo terá em um eventual novo governo Lula, considerando que o Lula foi um dos grandes responsáveis pela projeção do grupo?

    Celso Amorim: Pela projeção eu nem diria. Eu diria que pela criação mesmo. O termo BRICS tinha sido inventado por um economista do Goldman Sachs, Jim O'Neil. Uma vez eu o encontrei e disse: "Foi você quem inventou o BRICS, né?" E ele disse: "Foi". E eu disse: "Mas nós é que criamos". Porque, na realidade, era apenas um acrônimo para definir países com alguma semelhança. E ele não incluiu a África do Sul, na verdade.

    Eu acho que certamente o BRICS vai ter muita importância [no possível governo Lula em 2023]. Eu acho que o mundo evoluiu de lá para cá. Embora a China já fosse a economia mais forte, ela também se comportava com uma certa timidez, com um certo cuidado, eu diria, nas relações internacionais. E agora essa situação é diferente. Então, a meu ver, é preciso também que haja um certo equilíbrio dentro do BRICS. Isso exige que todos se articulem.

    Acho que é certa uma ampliação do BRICS; já há uma proposta, um convite feito à Argentina. Da minha parte (e eu nem conversei com o presidente Lula sobre isso), eu sou totalmente a favor, porque eu acho que isso apenas fortalece o Brasil e fortalece a América do Sul, porque nós caminhamos para um mundo de blocos. Há outros países que podem participar, e isso pode ser considerado.

    Agora, não devemos ter a imagem do BRICS sendo um grupo que é contra outro. Eu acho que ele é parte de um equilíbrio global. Mas o Brasil, por exemplo, não deixará de ter uma parceria estratégica com a União Europeia [UE] nem deixará de ter um diálogo especial com os Estados Unidos. Em alguns momentos funciona, em alguns momentos não funciona. Mas eu acho que cada um dos países do BRICS tem situações análogas. Ele [o BRICS] é parte dessa pluralidade de articulações que constituem a teia complexa das relações internacionais de hoje, o que é muito importante.

    Na área econômica ele revelou grande importância: foi a primeira vez que teve uma pequena reforma no sistema de cotas do FMI, e também influiu nas decisões tomadas no G20. Também é importante em certas áreas como energia, alimentos... Enfim, tem muita coisa que se pode fazer em comum, tem muita afinidade entre os países [do BRICS].

    SB: Dentro desse contexto de nova ordem multipolar, de que maneira o Brasil poderia se beneficiar, sendo um dos integrantes do BRICS?

    CA: O BRICS não se opõe, o BRICS é parte dessa ordem. Eu acho que isso nos dá alternativas. Eu acho que o Brasil não tem que estar com todos os ovos em uma única cesta. É muito bom ter boas relações com os EUA, é muito bom ter relações com a UE; nós somos a favor, fortemente, disso. Mas também é muito bom ter com os países do BRICS e com outros países, aliás, com a África, com a América do Sul; fortalecer a integração com a América do Sul e a América Latina é absolutamente fundamental. Então você tem que atuar em várias direções. Para usar uma expressão: alianças de geometria variável.

    Então depende muito do ponto, e nós temos muitos pontos em comum com o BRICS. Mas em um ponto, por exemplo, nós não temos, que é a reforma do Conselho de Segurança [da ONU]. Até hoje nós não conseguimos um apoio unânime à necessidade de reformar o Conselho de Segurança com novos membros permanentes. Isso, para nós, é um ponto fundamental, porque é a raiz do desequilíbrio na organização mundial. Eu acho que a Rússia tem sido até um pouco mais flexível, pelo menos ao verbalizar posições, mas a China é muito rígida nesse ponto. Ela não fala que é contra, mas não faz nenhum movimento para que isso ocorra. Enfim, então, é assim.

    Dois países do BRICS são possuidores de armas atômicas e reconhecidos como potências nucleares pelo TNP [Tratado sobre a Não Proliferação de Armas Nucleares]. Um outro país do BRICS tem armas atômicas sem ser membro do TNP, que é a Índia, e dois outros são países que renunciaram às armas nucleares. Então isso também nos dá uma mudança de visões, quer dizer, o Brasil é membro do BRICS, mas o Brasil também é membro da Coalizão da Nova Agenda, com países variados, como Nova Zelândia, que querem a eliminação total das armas nucleares. Porque nós partimos do pressuposto de que, enquanto existir algum país com arma nuclear, o risco existe.

    Em geral, as potências nucleares falam muito em não proliferação. Tudo bem, mas temos que falar na eliminação das armas nucleares.

    SB: Na semana passada, a imprensa brasileira divulgou que Lula estava planejando se reunir com os embaixadores do BRICS e, em seguida, com outros embaixadores. Por que separar as reuniões, isto é, primeiro com os BRICS e depois com os outros?

    CA: O Lula não é uma autoridade para convocar embaixadores. Aliás, é o presidente [Jair] Bolsonaro quem faz isso (e eu nunca vi isso, mas enfim). Ele [Lula] está conversando, e é uma conversa mais produtiva se ela é uma conversa em grupo. Não é só sobre esse tema. Mais amplamente, é sobre a cooperação bilateral. Ele não está convocando, as oportunidades surgem. Acho que é natural que ele faça e esteja discutindo. Há a questão de que os embaixadores europeus estão de férias neste período.

    Lula esteve [nos últimos meses] na França, na Alemanha, na Espanha e na União Europeia. Quanto à América Latina, ele foi à Argentina, foi ao México. Então o BRICS era um pouco o que estava faltando.

    Como não há condição de visitar os quatro países do BRICS, é uma das maneiras de ele ter uma reunião com eles.

    SB: No tema das reservas internacionais em dólar, o senhor acha que o Brasil deveria ampliar a cesta de moedas e incluir o yuan e o rublo, sobretudo ante o congelamento dos ativos russos?

    CA: Já discutimos no BRICS, no tempo em que eu ainda era ministro. Estávamos começando uma discussão sobre a possibilidade do uso das moedas, de se fazer o comércio com as moedas locais, com as moedas nacionais. Acho que seria uma boa maneira de contornar certos problemas com o dólar. Não sou economista, mas na nossa cesta de reservas eu sei que o yuan já entra um pouquinho. Muito pouquinho, mas entra.

    Mas o que eu vejo no comércio do BRICS é que se poderia fazer um comércio entre os países do BRICS ou bilateralmente, entre dois deles, em moedas locais. Isso seria uma maneira de incentivar o comércio e de se colocar fora do risco dessas sanções. Agora, se você vai trocar as moedas por outra moeda, isso é uma coisa complicada, acho que não é uma coisa que um país, sozinho, vai decidir.

    SB: China e Rússia defendem uma moeda para o BRICS. O senhor defende uma moeda própria para o BRICS? Como facilitar as transações econômicas entre os membros do grupo?

    CA: Isso é complexo porque a moeda, essencialmente, é confiança. Antigamente havia o ouro que lastreava a moeda, hoje em dia não tem. Para se chegar a uma moeda comum é um caminho muito longo. O que eu acho razoável pensar é ter contas de comércio bilateral, ou pode ser plurilateral, do BRICS usando moedas nacionais. Isso eu acho que é possível, e há uma maneira de você se colocar fora, digamos, do império do dólar. Não porque se é contra o dólar, mas porque não se quer estar sujeito a isso. E isso acho que é possível.

    Agora, pensar em uma moeda do BRICS… Acho que as economias têm dimensão muito desproporcional entre China e África do Sul, por exemplo. Agora, sim, procurar libertar o comércio e os investimentos desses países do império do dólar é razoável. Ou de qualquer outro império, nada contra especialmente o dólar, mas de qualquer outro império.

    quinta-feira, 4 de agosto de 2022

    Militares "têm juízo" e não embarcarão num golpe de Bolsonaro, diz Celso Amorim (Sputnik, Brasil 247)

     Militares "têm juízo" e não embarcarão num golpe de Bolsonaro, diz Celso Amorim


    "Não vai haver golpe. Agora, pode haver um tumulto, pode haver uma tentativa", alertou o ex-ministro da Defesa, ex-chanceler e conselheiro de Lula para geopolítica

    Brasil 247, 4 de agosto de 2022

    Sputnik - Crítico implacável do direcionamento da política externa conduzida durante o mandato de Jair Bolsonaro (PL), o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim não poupou o verbo ao fazer um balanço da condução do atual presidente em assuntos internacionais: "Não há nem como fazer balanço, porque não dá para fazer balanço de destruição".

    O saldo negativo é dado pelo principal conselheiro em política externa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de cuja gestão foi chanceler entre os anos de 2003 e 2010, e que é o principal adversário de Bolsonaro na disputa pela Presidência da República nas eleições de 2022. Lula, no entanto, lidera com folga as pesquisas de intenção de voto.

    "Digo isso com tranquilidade porque não estou só falando do governo Lula, no qual fui ministro, ou do governo Dilma, em que fui ministro da Defesa, mas do Brasil [de modo geral]."

    Em entrevista exclusiva de pouco mais de uma hora concedida à Sputnik Brasil na última segunda-feira (1º), Amorim aponta os direcionamentos que devem coroar a diplomacia do Brasil no caso de Lula ser conduzido, novamente, à chefia do Executivo, como indicam as atuais projeções eleitorais.

    "É difícil resumir, mas é preciso reconhecer que há três ou quatro grandes problemas que são globais e que, portanto, merecem a nossa atenção. Qual a nossa influência em cada um deles só a prática dirá. Eles são: uma mudança climática; as pandemias e ameaças globais à saúde; a desigualdade (que está na raiz de muitos problemas, inclusive refugiados e imigração, com isso criando problemas sociais e até conflitos); e, agora, uma coisa que eu não tinha incluído nas grandes ameaças [anteriormente]: as armas nucleares", elenca.

    O ex-chanceler defende a integração não apenas da América do Sul — tema de seu recém-lançado livro, intitulado "Laços de Confiança" — mas da América Latina como um bloco regional, algo que classifica como "vital".

    Também indica um olhar especial para o continente africano.

    "Vamos dar uma grande prioridade à África por razões históricas, étnicas, culturais e da própria formação do povo brasileiro", ressalta.

    Faz certo mistério sobre uma eventual recondução ao posto de ministro das Relações Exteriores, mas, em caso da vitória de Lula, apela para uma "salinha" no Palácio do Planalto para tomar um cafezinho com o ex-presidente.

    "Talvez isso seja até muita ambição da minha parte", brinca.

    Amorim ironiza a cobiça do atual governo pelo ingresso na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e aponta que um eventual ciúme dos Estados Unidos por uma política externa brasileira independente da hegemonia norte-americana precisa ser lidado de "maneira adulta e pacífica".

    Descarta, também, qualquer tipo de aventura golpista por parte do atual governo — temor que vem sendo ventilado na sociedade civil brasileira devido a falas do presidente.

    Veja, abaixo, a terceira e última parte da entrevista cedida por Amorim à Sputnik Brasil.

    Sputnik Brasil: Caso o ex-presidente Lula seja eleito em 2022, o senhor voltaria a ser o chanceler do Brasil?

    Celso Amorim: Nós vamos cruzar essa ponte quando chegarmos lá. Agora, todo o trabalho é pela eleição. Nós vamos recuperar a democracia, recuperar a civilidade e o respeito internacional — para o que a eleição é fundamental. Eu tenho toda disposição para ajudar o presidente em tudo o que for necessário.

    Agora, já houve todo o tipo de especulação e, se for uma mulher [escolhida como ministra], eu acharia ótimo. Nunca tivemos tantas mulheres embaixadoras em postos importantes quanto em nosso governo [Lula, de 2003 a 2010], então seria uma boa hipótese. Há também, a hipótese de pessoas mais jovens.

    Eu digo de brincadeira que eu me daria por satisfeito se ele me oferecer uma salinha lá no fundo do Palácio do Planalto para tomar um cafezinho com ele de vez em quando. Talvez isso seja até muita ambição da minha parte.

    SB: Com o mandato encerrando, como o senhor avalia a política externa conduzida pelo governo de Bolsonaro? Dá para se fazer um balanço a respeito?

    CA: Não há nem como fazer balanço, porque não dá para fazer balanço de destruição. Ele tentou destruir ao máximo, algumas coisas ele não conseguiu, pois o Itamaraty revela ainda que tem uma atitude impositiva.

    Mas em certos episódios, como esse recente da convocação de embaixadores estrangeiros para falar mal da Justiça Eleitoral, a chefia do Itamaraty não se comportou bem, na minha opinião. Enfim, cada um sabe da sua vida, de modo que eu não devo dizer o que a pessoa deveria ou não fazer. Mas eu fiquei um pouco decepcionado, porque achei que o atual chanceler, Carlos França, estava procurando ser mais moderado. Claro que com o Bolsonaro é impossível fazer uma boa política externa. Mas o chanceler pode agravar ou minorar. Ele estava tentando minorar. Mas essa reunião com a presença dele é muito lamentável.

    Eu nunca vi isso na diplomacia, e para falar a verdade, nunca vi em nenhum país: o presidente convocar embaixadores estrangeiros para falar mal das próprias instituições, e na realidade, praticamente, até anunciar um possível golpe, induzindo a crer na possibilidade de um golpe. Isso é inacreditável. Tudo isso desmoraliza muito a nossa ação externa.

    Agora, o Brasil é um país grande, de muita tradição. Não só nos governos Lula e Dilma, em que eu estive, mas em governos anteriores. Eles poderiam não ter, talvez, a mesma amplitude de ação em alguns casos, mas eram respeitados. O Brasil sempre foi respeitado internacionalmente. Fui embaixador, por exemplo, em Genebra, no GATT [Acordo Geral de Tarifas e Comércio], na época do Collor. O Brasil estava naquela confusão interna, mas a voz do Brasil no exterior era respeitada. Foi feita naquela época pelo meu xará, Celso Leifert, que era ministro (um homem de visão ideológica diferente da minha, mas um homem correto), a Rio-92. No GATT, nós defendemos posições dentro do contexto da época, que tinha suas limitações, como a prevalência do Consenso de Washington. O Brasil defendeu posições razoáveis, teve alianças com a Índia. Sempre o Brasil teve uma posição correta e razoável, e agora não.

    Agora, é uma coisa totalmente descabida, ofendem-se governantes estrangeiros, seja diretamente, seja (o que é pior ainda) através da cônjuge mulher. Eu nunca vi uma coisa semelhante. Falta decoro diplomático. O Brasil é um país isolado em sua própria região, porque o Brasil não tem contato com ninguém.

    Teve a cúpula do Mercosul, em Assunção, onde não temos sequer um governo de esquerda, e o presidente não foi. O único interesse dele [Bolsonaro] é não perder a eleição.

    SB: Quais os principais pontos de inflexão da condução da política externa no governo Bolsonaro?

    CA: Ele mesmo disse que não veio construir, que ele veio desconstruir, e ele faz isso em todos os setores. Tudo aquilo que foi criado de institucional no Estado brasileiro ele tem procurado destruir.

    Isso vai do IPHAN [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] ao INPE [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais], passando pela Funai [Fundação Nacional do Índio] e pelo Itamaraty. Ele não destruiu mais o Itamaraty como instituição porque é difícil. A política externa se faz na base da confiança, e o Brasil jogou fora seu capital de confiança que foi criado ao longo dos anos.

    Digo isso com tranquilidade porque não estou só falando do governo Lula, no qual fui ministro, ou do governo Dilma, em que fui ministro da Defesa, mas do Brasil [de modo geral].

    Quando eu era embaixador na ONU, queriam que o Brasil presidisse uma comissão sobre a antiga Iugoslávia. Por acaso, estava de férias. E o embaixador do Japão, então presidente do Conselho [de Segurança da ONU], me ligou e pediu para vir, porque o Brasil tinha que estar [presente]. E eu perguntei: mas por quê? Ele me explicou que o Brasil é o único país que os EUA e a Rússia aceitam. Essa é a credibilidade diplomática que o país tinha. Isso não quer dizer que se concordasse com tudo dos Estados Unidos ou tudo da Rússia, pelo contrário, seria impossível.

    Eles tinham confiança no que a gente fazia. Isso contrasta com essa situação atual em que o Brasil não é chamado a uma reunião do G7, em que são convidados outros países, e o Brasil não é convidado. Isso jamais se passaria no período do Lula. Pelo contrário, o Brasil participou de todas as reuniões — naquela época, era o G8 [quando incluía a Rússia, removida em 2014]. Hoje, nós estamos auto-marginalizados.

    SB: O senhor acha que essas ameaças constantes do presidente Jair Bolsonaro em relação à democracia significam que ele seja capaz de dar um golpe com o uso das Forças Armadas?

    CA: Não creio. Eu acho que pode causar muito tumulto ainda, porque não sabemos como vai se comportar. Até porque uma das coisas que caracterizam o Bolsonaro é a imprevisibilidade total do comportamento dele. Se você me dissesse que ele iria visitar a Rússia no meio de uma crise que, seis dias depois, levou a uma guerra. Claro que talvez ele não pudesse adivinhar, mas a informação corria nos serviços [diplomáticos]. Mas ele não só foi como prestou solidariedade. Então ele é imprevisível. Mas eu acho que não há condições.

    Sempre que houve um golpe militar ou com apoio militar na América do Sul, em geral, e no Brasil, em particular, ele se deu com apoio da elite econômica, da grande mídia e de potências externas ocidentais, sobretudo pelos próprios Estados Unidos. Eu acho que nenhum dos três fatores, hoje, joga a favor [de um golpe], então torna isso muito difícil. São três grupos muito poderosos.

    E quando o secretário de Defesa dos EUA [Lloyd Austin] vem aqui ao Brasil e diz na frente do nosso ministro da Defesa que o poder militar tem que estar subordinado ao poder civil, e defende a democracia. Antes disso, o próprio governo americano tinha dito que o sistema eleitoral brasileiro é um exemplo para o hemisfério e para o mundo. Não acho que vai haver golpe. Agora, pode haver um tumulto, pode haver uma tentativa.

    Você vê declarações totalmente descabeladas de militares da reserva, às vezes, do Clube Militar. Mas isso tinha e sempre teve. Tinha uma pessoa que trabalhava comigo, um general de quatro estrelas, e ele sempre se referia à "reserva raivosa". Porque aí todos os ressentimentos, aquilo ali é um túmulo de fervura constante. Eu acho que não é isso o que predomina, o que vai predominar é o pensamento do alto comando. E o alto comando tem juízo.

    SB: Quais devem ser os direcionamentos da política externa brasileira?

    CA: Com Bolsonaro, não existe. Com Bolsonaro, é uma espécie de um buraco escuro que o Brasil caiu, e você tem que esquecer.

    Você pode comparar com Fernando Henrique [Cardoso], você pode comparar até com o [Fernando] Collor, com o [José] Sarney, porque aí você está no domínio do mais ou menos racional. Mas o período de Bolsonaro está fora de qualquer possibilidade de comparação.

    É difícil resumir, mas é preciso reconhecer que há três ou quatro grandes problemas que são globais e que, portanto, merecem a nossa atenção. Qual a nossa influência em cada um deles só a prática dirá.

    Eles são: uma mudança climática; as pandemias e ameaças globais à saúde; a desigualdade (que está na raiz de muitos problemas, inclusive refugiados e imigração, com isso criando problemas sociais e até conflitos); e, agora, uma coisa que eu não tinha incluído nas grandes ameaças [anteriormente]: as armas nucleares. Esses são os grandes problemas que eu acho que devem ser enfrentados. Agora, como enfrentá-los? Qual é o tipo de relacionamento? Eu acho que buscando, apesar de tudo o que falamos aqui, das dificuldades, buscando contribuir para um mundo multipolar. Como o Brasil pode contribuir para um mundo multipolar?

    Não só se relacionando bem com vários países, como já comentamos aqui (BRICS, EUA, UE), mas sobretudo fortalecendo a integração da América do Sul e da América Latina, para que ela também seja um bloco forte com capacidade de discutir com a União Europeia, com capacidade de discutir com os Estados Unidos sem ser uma submissão. Ela não pode ser objeto, ela não pode ser pátio traseiro, como dizem em espanhol, de nenhuma potência. Nem dos Estados Unidos, nem da China. Essas são as formas gerais.

    Vamos dar uma grande prioridade à África por razões históricas, étnicas, culturais e da própria formação do povo brasileiro, e aí a gente vai vendo.

    Queremos fortalecer o multilateralismo porque nós fizemos um esforço enorme na época do governo Lula em relação à Organização Mundial do Comércio, sabemos que ela está muito debilitada, mas o que se puder fazer para fortalecer deve ser feito. E, também, de uma forma geral, fortalecer o sistema multilateral.

    Agora, é preciso ter a clareza de que o sistema multilateral tem que ser fortalecido, mas tem que ser modificado. Você não pode ter, 77 ou 78 anos depois do final da Segunda Guerra Mundial, o mesmo sistema que foi criado naquela época. Isso é uma coisa absurda.

    Eu gosto muito de uma comparação que faz uma analista norte-americana chamada Anne-Marie Slaughter que diz assim: "É só pensar que em 1950, por exemplo, o mundo fosse se reger pelas regras de 1860, 1870". É uma coisa que não dá para [se basear]. Os países não eram os mesmos, as regras não eram as mesmas, então não tem [como]. Então essa mudança [de mentalidade] eu acho que é muito importante.

    Na mudança da governança global, você tem que ter instrumentos efetivos para levar adiante políticas importantes com relação ao meio ambiente, ao clima, enfim, esses temas todos que eu mencionei. Ao mesmo tempo, as questões da paz e da guerra você tem que ter um certo equilíbrio, que não é o que existe no Conselho de Segurança [da ONU] hoje.

    A tendência, hoje, quando há um problema importante (e eu sei disso porque participei de um grupo importante sobre o ebola), a questão estava sendo levada para o Conselho de Segurança da ONU. Agora, veja bem: como é que você pode discutir um tema como a pandemia em um órgão sujeito a veto? Não tem nem cabimento uma coisa dessas. Como é que você vai discutir temas como aquecimento global em um órgão sujeito a veto? Inclusive um veto que não tem nada a ver com o poder dos países? É um poder relativo de cada país. Então essa mudança da governança global é absolutamente fundamental. Eu acho que precisaria ter alguma espécie de institucionalização de algo parecido com o G20, um G20 um pouco mais modificado, um pouco mais africano e um pouco menos europeu, e também com uma representatividade de Estados pequenos.

    Hoje, o G20 é um fórum importante. Mas ele não tem poder direto: ele não diz ao Banco Mundial o que ele tem que fazer. São os burocratas do Banco Mundial que decidem. No máximo, talvez, eles escutem o governo norte-americano, alguns governos europeus que dão dinheiro. Mas não é isso que tem que ser. Tem que ser uma coisa mais equilibrada, mais democrática. Então, eu acho que essa governança mundial tem que ser modificada. É preciso que alguém tome a iniciativa disso.

    SB: Como o senhor avalia a possibilidade de retomada da integração latino-americana considerando essa guinada à esquerda, que, agora, inclui até a Colômbia, e com a eventual eleição do presidente Lula?

    CA: Acho que a guinada à esquerda até ajuda e facilita pela afinidade. Mas, mesmo que não houvesse a guinada à esquerda, essa integração é necessária. Ela é vital. Volto a mencionar o meu livro porque até o título se chama "Laços de Confiança" do Brasil na América do Sul, e essa expressão me ocorreu quando eu estava saindo de uma reunião com o [ex-presidente da Colômbia, Álvaro] Uribe, que era o que pensava mais diferente da gente.

    Mesmo dentro da pluralidade, tinha aquela visão comum, com variações, naturalmente, de que era importante estar junto. Isso, hoje em dia, é por um lado mais forte, porque essa necessidade de atuar em conjunto em temas como aquecimento global, pandemia, desigualdade é absolutamente fundamental, assim como em matéria de comércio como em outras matérias.

    Assim como você disse, é mais fácil, porque é bom ter laços de confiança, mas melhor ainda ter laços de amizade e laços de afinidade. Eu vejo isso ocorrendo e temos hoje, no México, um governo muito progressista também, e é uma coisa que não ocorria desde o Lázaro Cárdegas, desde os anos 1940. Então isso é um fato de grande importância. Claro que o México, passe o que passa, tem uma relação muito especial com os Estados Unidos por causa da geografia. Mas, mesmo assim, tem tido atitudes muito corajosas e positivas.

    Acho que temos que fazer isso [a integração regional da América Latina]. Tem coisas óbvias que precisam mudar, por exemplo, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, que pela primeira vez, por causa do [ex-presidente dos EUA, Donald] Trump, [tem um comando que não é latino-americano]. Mas o [atual presidente dos EUA, Joe] Biden não fez nada para mudar, se o Biden quisesse fazer um gesto positivo em relação à América Latina tinha que mudar esse cara e botar um latino-americano, que é o que sempre foi. Mesmo na dominação, os EUA sempre foram mais sutis, escolhiam um latino-americano que não fosse hostil a eles, e ele também seria uma pessoa mais sensível às nossas necessidades. Então você ter dirigindo o Banco Interamericano de Desenvolvimento uma pessoa que é representativa do que há de mais reacionário nos Estados Unidos com a América Latina não é possível. Enfim, só estou dando um exemplo. Agora, quanto mais unidos nós estivermos, mais fácil é de conseguirmos.

    SB: O que o senhor pensa a respeito da entrada do Brasil na OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico]?

    CA: Eu penso. Fico pensando (risos).

    SB: Na entrevista de Lula para o UOL cedida na semana passada, ele falou que a única coisa que ele exigiria dos EUA seria respeito. O senhor acha que, com a volta do Lula e a retomada do projeto de liderança regional do Brasil, isso poderia causar algum tipo de incômodo para o governo norte-americano?

    CA: Você sabe que, quando um país está em uma posição hegemônica, ele quer que todos obedeçam. Uma vez tive uma conversa com o Bill Richards, que era o embaixador deles na ONU, tinha sido governador do Novo México e foi, inclusive, pré-candidato à presidência, mas nunca conseguiu a nomeação. Eu disse para ele que o melhor aliado não é aquele que concorda sempre; o melhor aliado é aquele que tem valores parecidos, mas que tem outros caminhos e outras maneiras de dizer. E o Bill Richards, que era um homem muito inteligente e muito irônico, disse assim: "É, mas eu acho que preferimos aqueles que concordam sempre" (risos). Então isso aí mostra que há um potencial de controvérsia, mas tem que lidar com a controvérsia de maneira adulta e pacífica.

    Eu acho que é isso que nós queremos que exista entre Brasil e EUA. São os dois maiores países do hemisfério. Claro que com uma enorme desproporção de riqueza, mas o Brasil tem um imenso território e um potencial enorme. Um tema central da política internacional do Brasil vai ser a questão do clima. E o Brasil é uma grande potência nisso, e tem que ser uma potência do bem para ajudar a superar esse temor que todos temos do aquecimento global chegar a níveis insuportáveis.

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